segunda-feira, 20 de abril de 2009


Aos que vão nascer
[DE Bertolt Brecht]


1
É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice.
Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade.
Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda A terrível notícia.
Que tempos são esses, em que Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?

Aquele que atravessa a rua tranquilo

Não está mais ao alcance de seus amigos

Necessitados? Sim, ainda ganho meu sustento
Mas acreditem: é puro acaso.
Nada do que faço
Me dá direito a comer a fartar
Por acaso fui poupado
(Se minha sorte acaba, estou perdido!)

As pessoas me dizem:
Coma e beba! Alegre-se porque tem!

Mas como posso beber e comer, se Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d'água falta ao que tem sede?
E no entanto eu como e bebo.

Eu bem gostaria de ser sábio
Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve Levar sem medo
E passar sem violência

Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros.

2

À cidade cheguei em tempo de desordem

Quando reinava a fome. Entre os homens cheguei em tempo de tumulto E me revoltei junto com eles. Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado. A comida comi entre as batalhas Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo Que sobre a terra me foi dado.
As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.

A linguagem denunciou-me ao carrasco.
Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima

Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As forças eram mínimas.
A meta
Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.
Assim passou o tempo
Que nesta terra me foi dado.

3
Vocês, que emergirão do dilúvio

Em que afundamos Pensem
Quando falarem de nossas fraquezas
Também nos tempos negros

De que escaparam.

Andávamos então, trocando de países como de sandálias
Através das lutas de classes, desesperados
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.
Entretanto sabemos:

Também o ódio a baixeza
Deforma as feições.
Também a ira pela injustiça
Torna a voz rouca.
Ah, e nós
que queríamos preparar o chão para o amor
Não pudemos nós mesmos ser amigos.
Mas vocês, quando chegar o momento

Do homem ser parceiro do homem
Pensem em nós

Com simpatia.


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