Solano e Sônia se apaixonaram e se casaram. Almas gêmeas, diziam, feitos um para o outro. Dava gosto vê-los juntinhos, apaixonados.
O enxoval bordado à mão com o "esse" repetido lembrava cifrões, prenunciavam plurais, tais quais felicidades, crianças, flores, férias, entre outros adjetivos venturosos.
O destino se cumpriu, o casal progrediu financeiramente, tinham carros, casa própria, casa de férias. Nasceu a primeira filha. O pai queria batiza-la com o nome de Silvia, a mãe argumentou que já tinha muita gente na familia com essa letra, pai, mãe, e tia. É verdade, a irmã de Sonia chamava-se Solange e não morava na mesma cidade, filha de pais abastados estava sendo educada, desde a mais tenra idade em colégio de freiras, era normalista interna. Solange só vinha anualmente passar férias escolares em casa de seus pais.
Prevaleceu a argumentação da genitora e a criança foi batizada com o nome de Ana.
Coincidiram as férias escolares de Solange com a chegada da sobrinha. Mal chegou em casa, antes mesmo de desfazer as malas, Solange saiu quase correndo para conhecer Aninha. Naquele dia, e todos os demais de suas férias Solange jantou, dormiu, na casa de sua irmã. Solange não saia de perto de sua linda sobrinha. Os laços de amizade com o cunhado se estreitaram naquele período.
Um ano depois Solange retorna definitivamente. Havia concluído seu curso de Magistério. A cidade ganhava mais uma professora. E, que professorinha! Linda, jovem, solteira, caçula de família abastada, um partidão diziam as matronas, esperançosas que um de seus filhos fosse alvo dos encantos de Solange.
Solange começou o exercício do magistério na Escola Municipal; competente, jovial cheia de novidades aprendidas em tradicional colégio de freiras, a todos conquistou.
Dava aulas no período matutino, e no período vespertino Solange visitava a irmã e sobrinha. Jantava lá também e so depois, bem mais tarde, voltava à casa paterna acompanhada pelo cunhado, condição sine qua non, imposta pelo pai de Solange. Não ficava bem uma mocinha andar desacompanhada pelas ruas escuras da cidade, é que naquela época não tinha luz elétrica na localidade.
Nesse meio tempo Sônia engravidou pela segunda vez, e depois mais uma vez, em seguida outra gravidez. Quatro filhos consecutivos. As pessoas se acostumaram a ver Sônia grávida, já nem lembravam-se como ela era antes. Depois desacostumaram de vê-la. Sônia vivia trancafiada em casa cuidando da filharada, eram tantos e tão próximos os nascimentos que quando dava a luz, o antecessor ainda não caminhava.
A amizade entre as irmãs esfriou. Solange não mais freqüntava a casa da irmã. Agora, era o cunhado que freqüentava a casa do sogro, jantava lá, e depois do jantar conversava horas a fio com Solange, no jardim da casa, sob um caramanchão pouco iluminado. Fumavam os dois, e soltavam longas baforadas...
As amigas perguntavam, por quê Solange tão bonita, bem empregada e de família tão boa não casara ainda. Solange desconversava, ainda não encontrara seu par perfeito, talvez não tivesse vocação para o casamento. Culpa da educação rígida impingida pelas freiras: tudo era pecado. As colegas insistiam, devia se preocupar em arranjar um marido, o tempo estava passando, você ja tem vinte e cinco anos...
Pois é, naqueles tempos, as moças casavam-se muito cedo, e ter vinte cincos anos e solteira era quase certo que ficaria pra titia. Vitalina, era assim que eram chamadas as mulheres que por falta de opção, ou por escolha ficavam solteiras.
Certa manhã Solange comparece a diretoria da escola para justificar sua falta no dia anterior. Ontem, não vim, disse ela, porque fui a cidade vizinha casar-me.
- Caaasaaar..., diz a Diretora com uma flexão de voz que não consegue disfarçar a surpresa
- Isso, casei ontem, na cidade vizinha, só no cartório.
- Ahnnnn, com quem?
- Com Alberto.
- Alberto, o irmão de Solano?
- Sim, com Alberto o irmão de Solano.
-Mas ele só tem dezenove anos...
- Olha aí o preconceito, por isso namorávamos em segredo.
- Desculpe, mas é tão inusitado, você que nunca tinha namorado antes e, dizia não ter vocação para o casamento. Onde estão morando.
- Eu na casa de meus pais, ele na casa dos pais dele.
- Com assim?
- Como decidimos casar rapidamente, não deu tempo, ainda , de arrumar nosso ninho.
Semana seguinte ao casamento Alberto decidiu tentar a vida em São Paulo; tinha orgulho, não queria morar na casa do sogro. Quando se estabelecesse viria buscar a esposinha. Isso foi o que Solange contou as amigas, que ainda nem tinham digerido a noticia do casório repentino.
A barriga de Solange cresceu rapidamente. Sete meses depois nasceu uma linda menina. Parto prematuro dizia Solange. A criança foi registrada com o nome de Sol. Por quê Sol, perguntavam-lhe. Acho bonito, é pequeno e forte, Sol e luz, é vida.
Solano, agora duplamente cunhado de Solange, e na ausência de Alberto, redobrou-se em cuidados para com Solange e Sol. Anos seguidos freqüentou a casa de Solange, que por sua vez nunca saiu da casa paterna.
Quando Sol tinha cinco anos foi atender na porta. Era Alberto. Oi, diz Alberto, voce é a Sol? Sim, diz a menina e você quem é? Eu, eu... sou Alberto. Você é muito bonita parece com a minha mãe, sua avó, tem os mesmos cabelos cacheados, olhos cor de mel. Afagou timidamente a cabeça da menina . Chama a sua mãe?
O encontro entre os dois foi frio, mais respeitoso, Alberto pediu o divórcio, disse que vivia maritalmente com uma paulista, já tinha um filho, precisava legalizar a situação. Você entende, não é mesmo?
Solano e Solange continuaram amigos. Só havia um detalhe estranho: Solano não entrava mais na casa do sogro, ficava no jardim embaixo do caramanchão cheiroso, formado pelos jasminzeiros.
No casamento de Sol, Solano entrou, orgulhosamente, de braços dados com sua... sua sobrinha. Alberto continuava morando em São Paulo. Não pode vir ao casamento.
As irmãs Sônia e Solange jamais se voltaram a falar; e eu não entendo porquê...
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