O dia primeiro de maio foi escolhido como dia dos trabalhadores como uma forma de assinalar e de lembrar as muitas e difíceis lutas que marcaram a história do movimento sindical no mundo. O dia é uma homenagem aos trabalhadores da cidade de Chicago que, em 1886, enfrentaram forte repressão policial por reivindicarem melhores condições de trabalho e, especialmente, uma jornada de oito horas. Nesse episódio houve trabalhadores mortos e presos que, desde então, tornaram-se símbolos para todos os que desejavam se engajar na mesma luta. Em maio de 1888, precisamente no dia 13, uma lei acabava com a escravidão no Brasil (o único a então possuir escravos). A defesa de condições mais humanas de trabalho começou a se desenhar no país, tendo que enfrentar a dura herança de um passado escravista que marcou profundamente toda a sociedade, nas suas formas de tratar e de pensar seus trabalhadores. E essa luta foi longa, difícil e ainda não terminou. O primeiro de maio existe para isso: para ser tanto um dia de festa, pelo que se conseguiu, como de protesto, pelo que se deseja ainda conseguir, quer no Brasil, quer em qualquer outro país. No Brasil, alguns períodos são particularmente importantes para se entender esse dia. É possível observar que, já no início do século XX, os trabalhadores brasileiros passaram a assinalar o primeiro de maio com manifestações que ganhavam as ruas e faziam demandas. No Rio de Janeiro, então capital da República, esses fatos ocorreram, por exemplo, em 1906, pouco depois da realização de um I Congresso Operário, onde a presença de trabalhadores anarquistas foi muito importante. Em muitos outros anos, durante a chamada Primeira República, o primeiro de maio seria um momento de reivindicar e de demonstrar a força dos trabalhadores organizados em algumas cidades do país. Nessa época, as lideranças do movimento operário realizavam meetings e comícios para a propaganda de suas idéias e também organizavam boicotes e greves, enfrentando o patronato e a polícia. As principais reivindicações foram a jornada de oito horas de trabalho (quando se trabalhava de 10 a 12 horas por dia), a abolição do trabalho infantil (crianças de seis anos eram operários) e a proteção ao trabalho da mulher, entre as mais importantes. O primeiro de maio, ensinavam as lideranças, não era dia de comemorar, mas de protestar e ganhar aliados. Um dia para se valorizar o trabalho e os trabalhadores tão sem direitos. Uma das maiores manifestações de primeiro de maio ocorridas no Rio foi a de 1919, que uma militante anarquista, Elvira Boni, lembrou assim: "No primeiro de maio de 1919 foi organizado um grande comício na praça Mauá. Da praça Mauá o povo veio andando até o Monroe pela avenida Rio Branco, cantando o Hino dos Trabalhadores, A Internacional, Os filhos do Povo, esses hinos. Não tinha espaço para mais nada. Naquela época não havia microfone, então havia quatro oradores falando ao mesmo tempo em pontos diferentes." Manifestações desse tipo ainda ocorreram no início dos anos 1920, tendo como palco praças e ruas do centro do Rio e de outras cidades do país. Depois escassearam, encerrando uma experiência que, embora não muito bem sucedida em termos da conquista de reivindicações, foi fundamental para o movimento operário. De forma inteiramente diversa, um outro período marcou a história do primeiro de maio no Brasil. Foi o do Estado Novo, mais especificamente a partir do ano de 1939, quando o primeiro de maio passou a ser comemorado no estádio de futebol do Vasco da Gama, em São Januário, com a presença de autoridades governamentais, com destaque para o presidente Getúlio Vargas. Nesse momento, o presidente fazia um discurso e sempre anunciava uma nova medida de seu governo que visava beneficiá-los. O salário mínimo, a Justiça do Trabalho e a Consolidação das Leis do Trabalho (a CLT) são três bons exemplos do porte das iniciativas que então eram ritualmente comunicadas a um público, invariavelmente através do chamamento inicial: "Trabalhadores do Brasil!" Nesse momento, o primeiro de maio se transformou numa festa, onde o presidente e os trabalhadores se encontravam e se comunicavam pessoalmente, fechando simbolicamente um grande conjunto de práticas centradas na elaboração e implementação de uma legislação trabalhista para o país. Por isso, nessas oportunidades, os trabalhadores não estavam nas ruas, nem faziam reivindicações como antes, mas recebiam o anúncio de novas leis, o que efetivamente causava impacto, não sendo apenas efeito retórico. Para se entender o fato, é preciso integrar esse acontecimento a uma série de medidas acionadas anteriormente no campo do direito do trabalho, e que tiveram início logo após o movimento de 1930, com a própria criação de um ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Dando um salto muito grande, um outro período em que o primeiro de maio ganhou relevo para a história do movimento sindical e para o país foi o dos últimos anos da década de 1970. O Brasil vivia, mais uma vez, sob um regime autoritário, mas o movimento sindical começava a recuperar sua capacidade de ação e de reivindicação. Grandes comícios então se realizaram, sobretudo em São Paulo, onde se protestava contra o "arrocho salarial" imposto aos trabalhadores, e se denunciava o regime militar. Essa era grande bandeira e projeto do movimento sindical: combater a ditadura militar e lutar por melhores salários e liberdade de negociação. E o primeiro de maio hoje? Certamente, ao longo de mais de cem anos, é bom reconhecer que tantas lutas não foram em vão. Os trabalhadores de todo o mundo conquistaram uma série de direitos e, em alguns países, tais direitos ganharam códigos de trabalho e também estão sancionados por Constituições. Mas os direitos do trabalho, como quaisquer outros direitos, podem avançar ou recuar com o passar do tempo e com as pressões de grupos sociais organizados. Assim, em 2002, os trabalhadores brasileiros estão vivendo um momento onde se discute a "flexibilização" de alguns desses direitos. Uma questão polêmica, ainda não resolvida, e que divide políticos, estudiosos do tema, lideranças do movimento sindical e também trabalhadores. O primeiro de maio certamente irá retomar esse debate, particularmente porque ele se faz numa situação de grande medo para o trabalhador: o medo do desemprego. Esse medo assume muitas faces: a dos trabalhadores que vivem de "bicos"; a dos jovens trabalhadores ou a dos "velhos" (os que têm mais de 40 anos) que não encontram emprego; a dos trabalhadores pouco qualificados que não conseguem mais postos de trabalho; ou daqueles que trabalham sem qualquer tipo de direito. O primeiro de maio de 2002, no Brasil, é uma boa oportunidade para reflexões em torno do rumo que se deseja dar aos direitos do trabalho. Direitos que fazem parte de um pacto social e cuja defesa esteve sempre nas mãos de organizações de trabalhadores. Pensar nesses direitos é também pensar no que são essas organizações sindicais, hoje, no Brasil.
Angela de Castro Gomes
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