O relógio de mogno, antigo, grave, enorme
dorme na angústia silenciosa dos imensos salões abandonados,
na alma dos Gobelins,
na vida misteriosa dos espelhos fanados...
Dorme parado e marca uma hora do passado,
uma hora velha,
uma hora de outrora...
E lembra-se da mão que abrira,
um dia, uma arca de pau santo, e tirara a peruca,
os pantufos e o vestido de tufos,
para o minuete,
sobre a volúpia do tapete...
E recorda-se então da marquesinha empoada,
afogada em cetins, espartilhada:
uma estatueta de faiança...
E do cravo de Holanda
que rompera ao compasso de uma dança,
que era um sonho de sons na tarde cor de cera...
E do galante fidalgo que, apoiado ao bastão de porcelana,
num passo airoso de galgo, leve como uma renda valenciana,
tomara docemente a mão medrosa e pura da Marquesinha
toda século XVIII e numa velha mesura,
muito cortez e algum tanto de afoito,
como se todos os sentidos aflorassem-lhe a boca,
num momento, beijou-lhe a boca, num momento,
beijou-lhe os lábios distraídos, num beijo esplêndido e violento!
O relógio viu tudo...
E, no velho silêncio de veludo
que a música rascante desse beijo bruscamente
eriçou, tremeu, ciumento e mudo, a frente do cortejo das horas...
e parou! Parou... E agora, imóvel mas radiante,
vive marcando com saudade o instante desse beijo,
dorme na angústia silenciosa dos imensos salões abandonados,
na alma dos Gobelins,
na vida misteriosa dos espelhos fanados...
Dorme parado e marca uma hora do passado,
uma hora velha,
uma hora de outrora...
E lembra-se da mão que abrira,
um dia, uma arca de pau santo, e tirara a peruca,
os pantufos e o vestido de tufos,
para o minuete,
sobre a volúpia do tapete...
E recorda-se então da marquesinha empoada,
afogada em cetins, espartilhada:
uma estatueta de faiança...
E do cravo de Holanda
que rompera ao compasso de uma dança,
que era um sonho de sons na tarde cor de cera...
E do galante fidalgo que, apoiado ao bastão de porcelana,
num passo airoso de galgo, leve como uma renda valenciana,
tomara docemente a mão medrosa e pura da Marquesinha
toda século XVIII e numa velha mesura,
muito cortez e algum tanto de afoito,
como se todos os sentidos aflorassem-lhe a boca,
num momento, beijou-lhe a boca, num momento,
beijou-lhe os lábios distraídos, num beijo esplêndido e violento!
O relógio viu tudo...
E, no velho silêncio de veludo
que a música rascante desse beijo bruscamente
eriçou, tremeu, ciumento e mudo, a frente do cortejo das horas...
e parou! Parou... E agora, imóvel mas radiante,
vive marcando com saudade o instante desse beijo,
aquele instante que ficou sendo uma serena eternidade...
Há corações que param no passado...
No seu silêncio sagrado
Eles repetem agora um silêncio de outrora...
É o silêncio que existe na furtiva,
na saudosa atitude da boca que se entrega,
ou que se esquiva da mão que diz adeus
ou que lança uma flor...
Porque há uma eternidade,
há um céu que não ilude no momento do amor!
Há corações que param no passado...
No seu silêncio sagrado
Eles repetem agora um silêncio de outrora...
É o silêncio que existe na furtiva,
na saudosa atitude da boca que se entrega,
ou que se esquiva da mão que diz adeus
ou que lança uma flor...
Porque há uma eternidade,
há um céu que não ilude no momento do amor!
Guilherme de Almeida
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