BILHETE
Não te sei dizer mais.
Depois de tantos versos,
Que te baste o silêncio
Dum poeta ardente,
Que sempre, naturalmente,
Foi além das palavras
Do amor, amando.
Que, em cada beijo,
Selava os lábios que o nomeavam.
Que aprendeu, a sofrer,
Que tudo acontecia
No acontecer.
Que, até nas horas de evasão, sabia
Que a verdadeira vida vive-se a viver.
LIMITE
Pátria até que os meus pés
Se magoem no chão.
Até que o coração
Bata descompassado.
Até que eu não entenda
A voz livre do vento
E o silêncio tolhido
Das penedias.
Até que a minha sede
Não reconheça as fonts.
Até que seja outro
E para outros
O aceno ancestral dos horizontes.
ARRITMIA
A vida é lenta quando a morte tem pressa.
Faça ao corpo a promessa
De que vai acabar em breve o sofrimento
Que o tortura.
Mas, da sua clausura,
O coração,
Na cega obsessão
Com que nasceu,
Diz que não, diz que não,
A baralhar o tempo em cada pulsação
Como um relógio que endoideceu.
CATEQUESE
Reza comigo, se te queres salvar.
Deus é pura poesia,
E o poema uma humilde petição
No tempo sacrossanto da eternidade.
Reza comigo, a ler-me e a memorar
Os versos que mais possam alargar
O teu entendimento
De ti, do mundo e do negro inferno
De cada hora.
Purificada neles, terás então
No coração
A paz aliviada que te falta agora.
(Miguel Torga)
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Bilhete/Limite/Arritimia/Catequese
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Poetas luso
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